terça-feira, 29 de setembro de 2009

O cânon bíblico

O cânon bíblico

A palavra "cânon" é de origem grega e significa "medida, norma". O cânon, em relação à Bíblia, é a norma que estabelece a lista dos livros considerados inspirados por Deus. Judeus de língua hebraica e grega, samaritanos e cristãos usam o mesmo livro sagrado, a Bíblia. Entretanto, cada um deles possui sua lista de livros inspirados.

a) O cânon da Bíblia hebraica
A primeira Bíblia foi escrita na língua hebraica e (uma pequena parte) na língua aramaica.
Ela recebe três nomes diferentes: Bíblia hebraica, cânon palestinense ou ainda texto massorético.
Ela é usada pelos judeus. Traz 39 livros. A lista de 39 livros foi aprovada entre os anos 8Q,e 100 E.C., na cidade de Jâmnia, ao sul da terra de Israel e a cerca de 50 km de Jerusalém.
Os judeus aceitam como livros sagrados os que foram escritos nas línguas hebraica e aramaica, na terra de Israel e até o tempo de Esdras. Eles não aceitam na lista sete livros que foram incluídos pelos judeus da diáspora (fora da Pa¬lestina). Esses sete livros foram escritos fora de Israel, provavelmente na língua grega e depois do período de Esdras (398 a.E.C.);
são chamados deuterocanônicos (segunda lista). São eles: Tobias, Judite, l e 2 Macabeus, Eclesiástico, Baruc, Sabedoria e partes de Ester e Daniel.
A Bíblia hebraica não traz os livros do Segundo Testamento. Ela é organizada em três grandes blocos. O primeiro bloco é chamado Tora', significa "ensinamento, caminho" e, raras vezes, "Lei do Senhor", como no livro de Neemias (Ne 9,3).
ATorá é formada por cinco livros de valor máximo, indiscutível para o povo judeu: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.
O segundo bloco é formado pelos livros dos profetas anteriores e posteriores. Esses escritos também têm um grande valor, mas não igual ao do primeiro bloco. São usados para explicar a Tora.
Os livros dos profetas anteriores são: Josué, Juízes, l e 2 Samuel, ele 2 Reis.
Os livros aos profetas posteriores são: Isaías, Jeremias, Ezequiel, Oséias, Joel, Amos, Sofonias, Habacuc, Jonas, Miquéias, Naum, Abdias, Zacarias, Ageu e Malaquias.
— O terceiro bloco é formado pelos livros chamados de escritos: Salmos, Provérbios, Jó, Cântico dos Cânticos, Rute, Lamentações, Eclesiastes, Ester, Daniel, Esdras, Neemias, l e 2 Crônicas.
Em relação aos dois blocos anteriores, os escritos recebem um valor menor. E, entre eles, o livro dos Salmos é o de maior importância. Ele é usado para a oração pessoal, familiar e nas sinagogas.
A estrutura e divisão da Bíblia hebraica pode ser conhecida e verificada mediante a recente Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB) para a língua portuguesa.

b) O cânon samaritano
São chamados de samaritanos os moradores da região da Samaria, situada na parte central da terra de Israel. A lista dos livros da Bíblia aprovados pelos samaritanos contém apenas os cinco primeiros li¬vros: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio. Quando os samaritanos se separaram da comunidade judaica, por volta do ano 300 a.E.C., preferiram ficar só comesses cinco livros da Bíblia, a Tora.

c) O cânon alexandrino
Alexandria é uma cidade do Egito, no continente africano. Lá moravam muitos judeus que aceitaram a língua e a cultura gregas. Surgiu então a necessidade de traduzir a Bíblia do hebraico e aramaico para o grego. Essa tradução leva o nome de Bíblia grega ou Setenta, do latim Septuaginta. Ela contém 53 livros.) Sua lista foi estabelecida entre os anos 200 e 50 a.E.C.4 Traz os 39 livros da Bíblia hebraica, mais os sete l livros chamados deuterocanônicos (segunda lista e outros que não entraram no cânon da Bíblia usada pelos cristãos católicos.
d) O cânon da Vulgata
"Vulgata" é uma palavra que vem da língua latina e significa "popular". A Vulgata traz ao todo 73 livros.
O Primeiro Testamento traz 46 livros e o Segundo Testamento, 27. As outras denominações cristãs aceitam apenas os 39 livros do Primeiro Testamento da Bíblia hebraica e os 27 do Segundo Testamento, mas não aceitam os sete livros deuterocanônicos que se encontram na Bíblia grega. Daí a diferença do número de livros na Bíblia usada pelos cristãos católicos e não católicos.

3º TEMA: ARQUEOLOGIA E INSPIRAÇÃO DIVINA:

3º TEMA: ARQUEOLOGIA E INSPIRAÇÃO DIVINA:

Deus e as pessoas escrevendo e compreendendo a Bíblia.
A arqueologia (do grego archaios +logos:”estudo das antiguidades”) encontra-se entre as ciências que oferecem melhores e maiores condições para o estudo do Israel antigo.
Ela era uma subciência da história da história.

No final do século XX, porém, tornou-se uma ciência formal, com objetivo próprio e métodos específicos;
A história investiga documentos escritos e é apoiada pela arqueologia, que pesquisa monumentos, objetos e fragmentos antigos, perdidos no tempo e, de alguma maneira, ocultos. No início, essa pesquisa limitava-se àquilo que era encontrado na superfície do solo, mas evoluiu para a busca em escavações, também;
Na arqueologia moderna, temos duas etapas que se completam: a exploração dos locais históricos de habitação humana, sobretudo mediante escavações, e interpretação dos achados.
Quando estes contêm textos, são analisados pela epigrafia, que confronta textos entre si e procura reconstruir a cultura e os costumes da época estudada.
A arqueologia tem um ramo mais específico: a arqueologia bíblica. Esta contribui para melhor compreensão dos textos bíblicos, esclarecendo questões duvidosas ou pouco definidas.
Uma grande parte da Bíblia foi esclarecida pelos resultados da pesquisa arqueológicas, que constituiu tanto o amplo fundo histórico do mundo antigo, no qual os hebreus viviam, como os detalhes concretos da vida e do trabalho naquele mundo, além da contribuição de textos ou fragmentos de textos encontrados.

Inspiração divina: Deus e as pessoas escrevendo a Bíblia
A Bíblia é a Palavra de Deus. Como essa Palavra de Deus se tornou a palavra escrita da Bíblia?A tradição afirma que a Bíblia contém palavras inspiradas por Deus.
Tal afirmação foi entendida por muitos como se os textos bíblicos tivessem sido escritos por um autor que simplesmente anotasse palavras ditadas por Deus. Contudo sabemos que os textos bíblicos estão relacionados a fatos históricos e que intervalos de tempo mais ou menos longos separam esses fatos e suas respectivas redações.
Além disso, os livros que hoje consideramos inspirados, livros "canônicos", são textos copiados das redações originais, que se perderam ao passar do tempo.
Portanto, só podemos entender que a inspiração divina atuam em todas as pessoas fiéis que, em sua história de vida, tiveram a experiência da presença de Deus junto a seu a seu povo, compreenderam essa experiência e a transmitiram oralmente, a qual, posteriormente, foi registrada por escrito, revista, copiada, interpretada, ao longo do tempo.

2º TEMA: BÍBLIA, COMUNICAÇÃO DE DEUS EM LINGUAGEM HUMANA

2º TEMA: BÍBLIA, COMUNICAÇÃO DE DEUS EM LINGUAGEM HUMANA

A BÍBLIA É A VOZ DE DEUS NA COMUNICAÇÃO DO POVO

QUEM ESCREVEU A BÍBLIA? Sacerdotes, profetas, reis, pastores, apóstolos evangelistas, gente simples, gente instruídas, sem instrução, mães de famílias, muitos não sabiam ler nem escrever.

Mesmo que muitos livros contidos nela tenham nomes de homens e mulheres, é difícil saber com certeza quem os escreveu. Naquele tempo era costume colocar o nome de alguém importante, para que assim o livro fosse aprovado e lido.

Como, onde? Contando, registrando sobre a luz da fé experiência vividas ao longo de suas vidas.
Em vários lugares: na Babilônia, Egito, Ásia Menor, Grécia e Itália

As línguas que foram escritas a Bíblia? Hebraico, aramaico e Grego.

O hebraico: faz parte da língua semítica, nasceu no Oriente Próximo e Médio, e passou por três fases: a primeira vai aproximadamente do ano 1000 até o ano 100 a. E. C. as palavras eram escritas só com as consoantes, (não tinha a mesma forma as consoantes, em todo lugar).
Segunda fase: vai do ano 100 a. E.C ao ano 500 E.C, nesse período é fixada uma forma de escrever as consoantes.
Terceira fase: vai do ano 500 ao ano 900 E.C , nesse período, a língua chega a adquirir sua estabilidade com o acréscimo e fixação das vogais.
Esse trabalho foi sistematizado no século IX, pelos grupos de judeus de Tiberíades, estudiosos da Bíblia, chamados massoretas (tradicionalistas).

O aramaico: é língua-irmã do hebraico, muito parecida com este na escrita e na pronúncia. Começou a ser falado pelo povo da Bíblia no tempo do exílio da Babilônia, por volta do ano 587 a.E.C..

O grego: é a terceira língua, e foram escritos alguns livros do Antigo Testamento, não era o grego clássico falado pelos filósofos, mas o popular, chamado de Koiné.

MATERIAIS UTILIZADOS PARA ESCREVER A BÍBLIA

O papiro, o pergaminho e outros materiais como a tabuinha de argila, chapas de pedras, paredões de rochedos, jarros de cerâmicas (cf.Js 8,32)
O papiro: É uma planta que cresce na água, em regiões quentes;

O pergaminho: foi inventado na cidade de Pérgamo, na Ásia Menor, da qual derivou seu nome, era feito com couro de animais, principalmente de ovelhas;

BÍBLIA, COMUNICAÇÃO ENTRE DEUS E O POVO

BÍBLIA, COMUNICAÇÃO ENTRE DEUS E O POVO

1º TEMA: BÍBLIA, PARCERIA ENTRE DEUS E O POVO.
Bíblia, biblioteca de Deus e da humanidade: “Bíblia” vem do grego biblos e significa “livro” ou “coleção de livros”, de fato, num único livro temos uma “coleção” de 73 livros.

Como nasceu? Da parceria de Deus que se comunica, e o povo, que descobre nos acontecimentos da vida, na história.

Dois Testamentos, a herança de Deus para nós: como a Bíblia é formada? Por dois blocos chamado de Testamento.

O que é um “testamento”? É um ato pessoal, unilateral, gratuito e solene, pelo qual alguém, com observância da lei declara.

Onde é aplicada a palavra “testamento” na Bíblia? Na carta aos Gálatas (Gl 3,15-17) e no livro dos Hebreus (Hb 9,15-17).

Para dizer o que? Para dizer que somos herdeiros de uma promessa que foi feita por Deus diretamente a Abraão e seu descendente, Jesus Cristo.

Desde quando é chamado de Antigo Testamento? Por volta do ano 56 d.C, pelo Apostolo Paulo na Carta aos coríntios (2Cor 3,14).

O que constitui o Primeiro Testamento? É a maior parte da Bíblia, é formado pelos livros que foram escritos antes do nascimento de Jesus Cristo.

Entre que anos? Entre os anos 1250 a.C e 50 a.C

Quais os livros que iniciaram e terminaram o Primeiro Testamento? O Cântico de Débora e o Livro de Sabedoria

Quantos livros formam o primeiro Testamento? 46 livros

O Segundo Testamento? São 27, e foram escritos depois de 20 anos da morte de Jesus, com a primeira carta aos tessalonicense e concluído por volta do ano 115 d.C com a livro do Apocalipse.
As divisões em capítulo e versículos sempre existiram na Bíblia? Não, só a partir de 1214 d.C que foram organizados em capítulo, pelo arcebispo de Cantuária, na Inglaterra, Stephan Langton.Os versículos? Foram organizados

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

A interpretação da Bíblia na Igreja


I. MÉTODOS E ABORDAGENS PARA A INTERPRETAÇÃO

A. Método histórico-crítico

O método histórico-crítico é o método indispensável para o estudo científico do sentido dos textos antigos.
Como a Santa Escritura, enquanto “Palavra de Deus em linguagem humana” , foi composta por autores humanos em todas as suas partes e todas as suas fontes, sua justa compreensão não só admite como legítimo, mas pede a utilização deste método.

1. História do método

Para apreciar corretamente este método em seu estado atual, convém dar uma olhada em sua história.
Certos elementos deste método de interpretação são muito antigos.
Eles foram utilizados na antiguidade por comentadores gregos da literatura clássica e, mais tarde, durante o período patrístico, por autores como Orígenes, Jerônimo e Agostinho.
O método era, então, menos elaborado. Suas formas modernas são o resultado de aperfeiçoamentos, trazidos, sobretudo desde os humanistas da Renascença e o recursus ad fontes deles.
Enquanto que a crítica textual do Novo Testamento só pôde se desenvolver como disciplina científica a partir de 1800, depois que se desligou do Textus receptus, os primórdios da crítica literária remontam ao século XVII, com a obra de Richard Simon, que chamou a atenção sobre as repetições, as divergências no conteúdo e as diferenças de estilo observáveis no Pentatêuco, constatações dificilmente conciliáveis com a atribuição de todo o texto a um autor único, Moisés.
No século XVIII, Jean Astruc contentou-se ainda em dar como explicação que Moisés tinha se servido de várias fontes (sobretudo de duas fontes principais) para compor o Livro do Gênesis, mas, em seguida, a crítica contesta cada vez mais resolutamente a atribuição da composição do Pentatêuco a Moisés.
A crítica literária identificou-se muito tempo com um esforço para discernir diversas fontes nos textos.
É assim que se desenvolveu, no século XIX, a hipótese dos “ documentos”, que procura explicar a redação do Pentatêuco.
Quatro documentos, em parte paralelos entre si, mas provenientes de épocas diferentes, teriam sido incorporados: o yahvista (J), o elohista (E), o deuteronomista (D) e o sacerdotal (P: do alemão “Priester”); é deste último que o redator final teria se servido para estruturar o conjunto.
De maneira análoga, para explicar ao mesmo tempo as convergências e as divergências constatadas entre os três Evangelhos sinóticos, recorreram à hipótese das duas “fontes”, segundo a qual os Evangelhos de Mateus e o de Lucas teriam sido compostos a partir de duas fontes principais: o Evangelho de Marcos de um lado e, de outro lado, uma compilação das palavras de Jesus (chamada Q, do alemão “Quelle”, “fonte”).
Essencialmente estas duas hipóteses são ainda aceitas atualmente na exegese científica, mas elas são objeto de contestações.

No desejo de estabelecer a cronologia dos textos bíblicos, esse gênero de crítica literária se limitava a um trabalho de cortes e de decomposição para distinguir as diversas fontes e não dava uma atenção suficiente à estrutura final do texto bíblico e à mensagem que ele exprime em seu estado atual (mostrava-se pouca estima pela obra dos redatores).
Dessa maneira a exegese histórico-crítica podia aparecer como fragmentária e destrutora, ainda mais que certos exegetas sob a influência da história comparada das religiões, tal como ela se praticava então, ou partindo de concepções filosóficas, emitiam contra a Bíblia julgamentos negativos.

Hermann Gunkel fez o método sair do gueto da crítica literária entendida desta maneira.
Se bem tenha continuado a considerar os livros do Pentatêuco como compilações, ele aplicou sua atenção à textura particular das diferentes partes.
Ele procurou definir o gênero de cada uma (por exemplo, « legenda » ou « hino ») e seu ambiente de origem ou « Sitz im Lebem » ( por exemplo, situação jurídica, liturgia, etc.).
A esta pesquisa dos gêneros literários assemelha-se o « estudo crítico das formas » (« Formgeschichte ») inaugurada na exegese dos sinóticos por Martin Dibelius e Rudolf Bultmann.
Este último misturou aos estudos de « Formgeschichte » uma hermenêutica bíblica inspirada na filosofia existencialista de Martin Heidegger.
Em conseqüência, a Formgeschichte suscitou muitas vezes sérias reservas. Mas este método, em si mesmo, teve como resultado a declaração de que a tradição néo-testamentária obteve sua origem e tomou sua forma na comunidade cristã, ou Igreja primitiva, passando da pregação do próprio Jesus à predigação que proclama que Jesus é o Cristo.
« Formgeschichte » aliou-se a « Redaktionsgeschichte », « estudo crítico da redação ». Esta última procura colocar em evidência a contribuição pessoal de cada evangelista e as orientações teológicas que guiaram o trabalho de redação deles.
Com a utilização deste último método, a série das diferentes etapas do método histórico-crítico tornou-se mais completa: da crítica textual passa-se a uma crítica literária que decompõe (pesquisa das fontes), depois a um estudo crítico das formas, enfim a uma análise da redação, que é atenta ao texto em sua composição.
Desta maneira tornou-se possível uma compreensão mais clara da intenção dos autores e redatores da Bíblia, assim como da mensagem que eles dirigiram aos primeiros destinatários. O método histórico-crítico adquiriu então uma importância de primeiro plano.

2. Princípios

Os princípios fundamentais do método histórico-crítico em sua forma clássica são os seguintes:
É um método histórico, não só porque ele se aplica a textos antigos — no caso, aqueles da Bíblia — e estuda seu alcance histórico, mas também e sobretudo porque ele procura elucidar os processos históricos de produção dos textos bíblicos, processos diacrônicos[1] algumas vezes complicados e de longa duração.
Em suas diferentes etapas de produção, os textos da Bíblia são dirigidos a diversas categorias de ouvintes ou de leitores, que se encontravam em situações de tempo e de espaço diferentes.

É um método crítico, porque ele opera com a ajuda de critérios científicos tão objetivos quanto possíveis em cada uma de suas etapas (da crítica textual ao estudo crítico da redação), de maneira a tornar acessível ao leitor moderno o sentido dos textos bíblicos, muitas vezes difíceis de perceber.

Método analítico, ele estuda o texto bíblico da mesma maneira que qualquer outro texto da antiguidade e o comenta enquanto linguagem humana. Entretanto, ele permite ao exegeta, sobretudo no estudo crítico da redação dos textos, perceber melhor o conteúdo da revelação divina.

3. Descrição

No estágio atual de seu desenvolvimento, o método histórico-crítico percorre as seguintes etapas:

A crítica textual, praticada há muito mais tempo, abre a série das operações científicas.
Baseando-se no testemunho dos mais antigos e melhores manuscritos, assim como dos papiros, das traduções antigas e da patrística, ela procura, segundo regras determinadas, estabelecer um texto bíblico que seja tão próximo quanto possível ao texto original.

O texto é em seguida submetido a uma análise lingüística (morfologia e sintaxe) e semântica, que utiliza os conhecimentos obtidos graças aos estudos de filologia histórica.
A crítica literária esforça-se então em discernir o início e o fim das unidades textuais, grandes e pequenas, e em verificar a coerência interna dos textos.
A existência de repetições, de divergências inconciliáveis e de outros indícios, manifesta o caráter compósito de certos textos.
Estes então são divididos em pequenas unidades, das quais estuda-se a dependência possível a diversas fontes.
A crítica dos gêneros procura determinar os gêneros literários, ambiente de origem, traços específicos e evolução desses textos.
A crítica das tradições situa os textos em correntes de tradição, das quais ela procura determinar a evolução no decorrer da história.
Enfim, a crítica da redação estuda as modificações que os textos sofreram antes de terem um estado final fixado, esforçando-se em discernir as orientações que lhes são próprias.
Enquanto as etapas precedentes procuraram explicar o texto pela sua gênese, em uma perspectiva diacrônica, esta última etapa termina com um estudo sincrônico: explica-se aqui o texto em si, graças às relações mútuas de seus diversos elementos e considerando-o sob seu aspecto de mensagem comunicada pelo autor a seus contemporâneos.
A função pragmática[2] do texto pode então ser levada em consideração.

Quando os textos estudados pertencem a um gênero literário histórico ou estão em relação com acontecimentos da história, a crítica histórica completa a crítica literária para determinar seu alcance histórico, no sentido moderno da expressão.

São desta maneira que são colocadas em evidência as diferentes etapas do desenrolar concreto da revelação bíblica.

4. Avaliação

Que valor dar ao método histórico-crítico, em particular no estágio atual de sua evolução?

É um método que, utilizado de maneira objetiva, não implica em si nenhum a priori: Se sua utilização é acompanhada de tais a priori, isto não é devido ao método em si, mas a opiniões hermenêuticas que orientam a interpretação e podem ser tendenciosas.

Orientado, em seu início, como crítica das fontes e da história das religiões, o método obteve como resultado a abertura de um novo acesso à Bíblia, mostrando que ela é uma coleção de escritos que, muitas vezes, sobretudo para o Antigo Testamento, não têm um autor único, mas tiveram uma longa pré-história inextricavelmente ligada à história de Israel ou àquela da Igreja primitiva.
Precedentemente, a interpretação judaica ou cristã da Bíblia não tinha uma consciência clara das condições históricas concretas e diversas nas quais a Palavra de Deus se enraizou.
Ela tinha disto um conhecimento global e longínquo.
O confronto da exegese tradicional com uma abordagem científica que em seu início fazia conscientemente abstração da fé e algumas vezes mesmo se opunha a ela, foi seguramente dolorosa; depois, no entanto, ela se revelou salutar: uma vez que o método foi liberado dos preconceitos extrínsecos, ele conduziu a uma compreensão mais exata da verdade da Santa Escritura (cf Dei Verbum, 12).
Segundo a Divino afflante Spiritu, a procura do sentido literal da Escritura é uma tarefa essencial da exegese e, para cumprir esta tarefa, é necessário determinar o gênero literário dos textos (cf E.B., 560), o que se realiza com a ajuda do método histórico-crítico.

Com certeza o uso clássico do método histórico-crítico manifesta limites, pois ele se restringe à procura do sentido do texto bíblico nas circunstâncias históricas de sua produção e não se interessa pelas outras potencialidades de sentido que se manifestaram no decorrer das épocas posteriores da revelação bíblica e da história da Igreja.
No entanto, esse método contribuiu à produção de obras de exegese e de teologia bíblica de grande valor.

Renunciou-se há muito tempo a um amálgama do método com um sistema filosófico. Recentemente uma tendência exegética orientou o método insistindo predominantemente sobre a forma do texto, com menor atenção ao seu conteúdo, mas esta tendência foi corrigida graças à contribuição de uma semântica diferenciada (semântica das palavras, das frases, do texto) e ao estudo do aspecto pragmático dos textos.

A respeito da inclusão no método, de uma análise sincrônica dos textos, deve-se reconhecer que se trata de uma operação legítima, pois é o texto em seu estado final, e não uma redação anterior, que é expressão da Palavra de Deus.
Mas o estudo diacrônico continua indispensável para o discernimento do dinamismo histórico que anima a Santa Escritura e para manifestar sua rica complexidade: por exemplo, o código da Aliança (Ex 21,23) reflete um estado político, social e religioso da sociedade israelita diferente daquele que refletem as outras legislações conservadas no Deuteronómio (Dt 12,26) e no Levítico (código de santidade, Lv 17-26).
À tendência de reduzir tudo ao aspecto histórico, que se pôde repreender na antiga exegese histórico-crítica, seria o caso que não sucedesse o excesso inverso: o de um esquecimento da história, por parte de uma exegese exclusivamente sincrônica³[3].

Em definitivo, o objetivo do método histórico-crítico é de colocar em evidência, de maneira, sobretudo diacrônica, o sentido expresso pelos autores e redatores. Com a ajuda de outros métodos e abordagens, ele abre ao leitor moderno o acesso ao significado do texto da Bíblia, tal como o temos.

B. Novos métodos de análise literária
C. Abordagens baseadas na Tradição
D. Abordagens através das ciências humanas
E. Abordagens contextuais
1. Abordagem da libertação
2. Abordagem feminista
F. Leitura fundamentalista

[1] dia=através,e chronos= tempo
[2] conjunto de formulas
[3] syn=com, chronos=tempo

nota: A bordagem diacrônica e sincronica: O conhecimento histórico procura compreender o rastro que o mundo do passado deixou no nosso mundo de hoje, porque é essencialmente o mesmo mundo, embora em contínua mutação.Entendendo a história eu entendo melhor o meu mundo de hoje, porque este tem suas raízes no mundo de ontem. Isso, contudo, não é suficiente, porque o passado não é o presente em estruturas e relações, em sua realidade e potencialidade. È como conhecer uma pessoa: conhecer seu passado é certamente indispensável, mas isso não esgota a realidade que ela é hoje nem a explica totalmente. Podemos aplicar esta comparação ao conhecimento da Bíblia: é importante conhecer a história de sua formação literária e do povo que a produziu. Este processo se chama abordagem diacrônica. Mas a finalidade do estudo é compreender o texto em sua redação final, entender seu sentido no contexto e sua função no livro todo, bem como a relação do próprio livro no conjunto da Bíblia. Esta abordagem se chama sincrônica.
A interpretação da Bíblia na Igreja- Doc. do Vat.

A violência que aparece no AT está de acordo com o sentimento e a moral da época.

Deus age conforme o nível e o entendimento do homem. Também não podemos tomar todos os relatos de violência ao pé da letra, algumas vezes é apenas figura de linguagem e não realidade.
É ainda D. Estevão Bettencourt , no seu livro “Para entender o Antigo Testamento”, quem nos ajuda a entender essas cenas de violência que nos assustam.

O extermínio dos inimigos (hérem, anátema) se baseava num grau de cultura pouco evoluída e também numa concepção religiosa estranha para nós hoje. Não se esqueça que Abraão foi tirado da Mesopotâmia pagã que acreditava que os astros eram deuses.
Neste contexto, cada povo julgava que, na guerra a honra dos seus deuses estava em jogo; uma derrota militar representava vergonha e escárnio para os deuses da nação vencida, assim como a vitória significava triunfo da divindade.

Assim, os deuses dos povos vencedores julgavam que deviam ser religiosamente sacrificados e imolados, por um ato de extermínio total, os homens, as famílias, as cidades, os haveres, do povo vencido. O uso era tão comum que não somente os semitas, mas também os germanos e astecas da América o praticavam no México, já no nosso século XVI .

O escritor Tácito dizia que ”Os vencedores devotaram a Marte e Mercúrio o acampamento inimigo, voto este, em virtude do qual são entregues ao extermínio cavalos, homens e tudo que pertence aos vencidos. ” (Annales, 13,57) Portanto, esta prática era muito comum na Antiguidade antes de Cristo; era o rosto mais duro do paganismo.

Os gauleses, por exemplo, queimavam as presas ou as atiravam aos lagos. A Bíblia mostra outros exemplos disto (2Cr 32,14; Is 37,11; 2Rs 14,11).Esta praxe era familiar aos antigos, normal para eles, e Deus respeitou isto nas suas relações com Israel, até poder mudar este costume devagar, de forma que o povo pudesse entender; foi mudando esta realidade, até que Jesus a modificou completamente no Sermão da Montanha.

Mas foi necessário um processo; de outra forma o povo não entenderia a Revelação de Deus, e talvez o rejeitasse por completo. Para os hebreus o extermínio dos inimigos se tornava religiosamente necessário e imperioso: este povo e ele só, possuía a verdade da fé, para um dia transmiti-la ao mundo; portanto, era de sumo interesse na história sagrada que Israel não deixasse corromper a sua religião.

Então, não havia outro jeito a não ser separar Israel do convívio dos outros povos pagãos, por causa da influência e prejuízo que isto causaria a fé de Israel. Dentro da mentalidade do Antigo Testamento pode-se dizer que o reino das trevas (Satanás) triunfava sobre o reino da luz toda vez que o povo judeu era vencido por seus inimigos.

Os inimigos de Israel eram tidos como inimigos de Javé (Num 10,35; Ex 17,16). O povo judeu achava que o próprio Deus exigia o hérem (Js 10,40).
Mas é bom notar que mesmo praticando o extermínio dos inimigos, Israel o fazia de maneira muito menos cruel do que os outros povos, como os assírios, moabitas, etc.
Essas passagens mostram a maneira cruel dos pagãos tratarem os vencidos (cf. Am 1,3; 2,3; 1,13; Os 14, 1; 2Rs 8,12; 2Rs 25,7; Na 3,10 ).

Portanto, o hérem praticado por Israel era atenuado; e assim, Deus já dava a entender ao povo que era imperfeito (cf. Dt 20,10-18; Dt 21, 10-14; Jz 212,13; 2Sm 20,14-22; 2Sm 8,2; 1Rs 20,31). É claro que houve excessos de crueldade por parte de alguns chefes judeus; e isto não estava de acordo com a vontade de Deus (1Sm 27,8-11; 1Cr 22, 8-10; 28,3).

E Deus repreendeu o povo algumas vezes pela crueldade de alguns chefes israelitas e os punia (cf. Os 1, 4ss; 1Rs 9,2-10; 2Rs 10,1-17 ).Um outro fator a explicar a violência da Bíblia é o fato de que os povos antigos por serem nômades, pastores, eram coletivistas e, não como hoje, individualistas. Não havia o “cada um para si” de hoje. Então, uma pessoa da comunidade que era ferida, atiçava a ira de toda a tribo, que reagia com violência, não apenas contra o agressor, mas contra a sua nação ou tribo.

Em tudo isto vemos a paciência de Deus na sua tarefa de educar o povo. Às vezes encontramos no Antigo Testamento, especialmente nos Salmos, palavras onde o autor sagrado deseja o mal e até a morte aos inimigos.

São frases que, a princípio nos assustam, ofendem a consciência do cristão. Algumas delas são paixão desregrada, e não são propostas pelo Espírito Santo.

Muitas, porém, não são condenáveis; têm significado bom, até hoje válido. Para entendê-las, e preciso entender que os autores sagrados, ao colocar uma causa perante o Senhor, não o faziam a título pessoal, reivindicando direitos particulares, próprios, mas advogavam os interesses do bem, da justiça ou da verdadeira religião; sua causa se identificava com a de Deus, e os seus inimigos vinham a ser também os inimigos de Deus. Com esta mentalidade, e na defesa de Deus, costumavam pedir com rigor o castigo dos adversários. Não podia haver compatibilidade entre o bem e o mal, entre o reino de Deus e o do pecado; e o homem justo devia desejar completa ruína a toda instituição que se opunha a Deus.

Quanto aos termos com que as imprecações são formuladas, elas pertencem ao vocabulário oriental, dado às hipérboles e ênfase.

São muitas vezes tiradas diretamente da linguagem militar ou do direito de guerra de outrora. É o que dá tanta crueldade às frases imprecatórias. Para entender a verdadeira intenção do autor sagrado, é preciso descontar o que essas fórmulas têm de hiperbólico e convencional.

O ler a Bíblia devemos ver nas imprecações a expressão do desejo de que a justiça seja feita, os abusos coibidos; entendendo-as como dirigidas contra os males e o Mal, não contra os maus; mas contra o pecado e contra o reino das trevas.

O cristão tem por lei “amar os inimigos, orar pelos que o perseguem” (Mt 5, 39,44). No entanto, sem desprezar o amor aos homens, ele deve como Jesus, odiar ao pecado e o reino de Satanás; deve desejar sua extirpação completa. É isto mesmo que deseja o salmista; então, ao rezar os Salmos imprecatórios, tenha em vista os vícios e as instituições inimigas do reino de Cristo, todas as instituições e seitas que se esforçam por disseminar o erro e o pecado no mundo. É contra isto que devemos proferir os Salmos imprecatórios.

Autor: Prof. Felipe Aquino

Os vários níveis de leitura da Sagrada Escritura

Os vários níveis de leitura da Sagrada Escritura

Um texto da Sagrada Escritura pode vê-lo de várias maneiras, dependendo dos níveis de leituras que fazemos: oração, liturgia, catequese, teologia, exegese.

Oração:
É direcionamento mais básico e espontâneo de nossa leitura: buscamos no texto bíblico resposta para nossos anseios e luz para nossas decisões, pois nós o tomamos como instrumento para dialogarmos com Deus.

Liturgia:
Os vários textos lidos durante uma celebração não querem apenas nos levar a rezar e a refletir sobre determinados temas. Na verdade, em termos de liturgia, o que celebramos não são temas, e sim acontecimentos, pois é nos acontecimentos que Deus está presente e se revela.

Catequese:
Esta leitura já exige algum conhecimento, não só da História da Salvação, mas também dos Dogmas e da Moral. Conhecer os Dogmas nos ajuda a perceber como os conceitos de nossa fé, que tem suas raízes na experiência bíblica, foram amadurecendo ao longo dos séculos. Conhecer a Moral impede que nossa catequese, diante de situações concretas que exigem de nós discernimento, se perca em “achismos” e subjetivismos.
Em outras palavras, trata-se de ter fundamentos sólidos para podermos atualizar a experiência de fé dos personagens bíblicos e usá-la como elemento formador do intelecto e da vontade.

Teologia:
O discurso sobre os Dogmas, a Moral e a História da Salvação se torna bem mais elaborado e utiliza outros instrumentais: filosofia, história, ciências da linguagem etc.

Exegese:
Busca-se, neste nível, compreender o texto bíblico em si mesmo: as idéias, as intenções, a forma literária de um texto específico e suas relações formais com outros textos.

Bibliografia:
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de exegese Bíblica. 2ª edição. São Paulo: Paulinas, 2003.

sábado, 3 de janeiro de 2009

A Sagrada Escritura na vida da Igreja

  • A Sagrada Escritura na vida da Igreja

    · “É tão grande o poder e a eficácia encerrados na Palavra de Deus, que ela constitui sustentáculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza da fé, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual.”
    · “É preciso que o acesso à Sagrada Escritura seja amplamente aberto aos fiéis.” (DV)
    · Que o estudo das Sagradas Páginas seja, portanto, como que a alma da Sagrada Teologia. Da mesma palavra da Sagrada Escritura também se nutre salutarmente e santamente floresce o ministério da palavra, a saber, a pregação pastoral, a catequese e toda a instrução cristã, na qual deve ocupar lugar de destaque a homilia litúrgica.


· A Igreja “exorta com veemência e de modo peculiar todos os fiéis cristãos... a que, pela freqüente leitura das divinas Escrituras, aprendam a eminente ciência de Jesus Cristo (Fl 3,8). Com efeito, ignorar as Escrituras é ignorar Cristo”.

Os sentidos da Escritura

A fé cristã não é uma "religião do Livro". O Cristianismo é a religião da "Palavra" de Deus, "não uma palavra escrita e muda, mas do Verbo encarnado e vivo" (São Bernardo). Para que não seja letra morta, é preciso que Cristo, Palavra eterna do Deus Vivo, pelo Espírito Santo, nos «abra o espírito ao entendimento das Escrituras» (Lc 24,45).


O Concílio Vaticano II indica três critérios para uma interpretação da Escritura conforme ao Espírito que a inspirou:

1. Prestar grande atenção ao "conteúdo e à unidade de toda a Escritura".

2. Ler a Escritura "na tradição viva de toda a Igreja".

3. Estar atento à "analogia da fé".

1. Prestar muita atenção ao conteúdo e à unidade da Escritura inteira.

Pois, por mais diferentes que sejam os livros que a compõem, a Escritura é una em razão da unidade do projeto de Deus, do qual Cristo Jesus é o centro e o coração, aberto depois da sua Páscoa (§112). São Tomás de Aquino assim explica: “O coração de Cristo designa a Sagrada Escritura que dá a conhecer o coração de Cristo. O coração estava fechado antes da Paixão, pois a Escritura era obscura. Mas a Escritura foi aberta após a Paixão, pois os que a partir daí têm a compreensão dela consideram e discernem de que maneira as profecias devem ser interpretadas”. (Sl. 21,11).

2. Ler a Escritura dentro da Tradição viva da Igreja inteira.

Conforme o ensinamento dos Padres da Igreja, “a Sagrada Escritura está escrita mais no coração da Igreja do que nos instrumentos materiais”. Com efeito, a Igreja leva na sua Tradição, a memória viva da Palavra de Deus, e é o Espírito Santo que lhe dá a interpretação espirital da Escritura (“... segundo o sentido espiritual que o Espírito dá à Igreja”) (Orígenes, hom. Lv. 5,5), (§113).

3. Estar atento “à analogia da fé” (Rom 12,6).

Por analogia da fé entendemos a coesão das verdades da fé entre si e no projeto total da Revelação.

O sentido literal e o espiritual

O Catecismo da Igreja nos ensina que há dois sentidos nas Escrituras, segundo uma antiga tradição da Igreja.O sentido literal e o sentido espiritual, sendo este último subdividido em sentido alegórico, moral e anagógico. A concordância profunda entre os quatros sentidos garante toda a sua riqueza à leitura viva da Escritura.

O sentido literal - é dado pelo significado das palavras da Escritura e descoberto pela exegese (estudo profundo do texto bíblico) que segue as regras da correta interpretação.São Tomás de Aquino dizia que “todos os sentidos devem estar fundados no literal” (Suma Theol. 1,1, 10, ad 1).(§116)

O sentido espiritual - Graças à unidade do projeto de Deus, não somente o texto da Escritura, mas também as realidades e os acontecimentos de que fala, podem ser sinais. O sentido espiritual pode ser subdividido em alegórico, moral e anagógico.

1-O sentido alegórico - Podemos adquirir uma compreensão mais profunda dos acontecimentos reconhecendo a significação deles em Cristo; assim, a travessia do Mar Vermelho é um sinal da vitória de Cristo, e também é um sinal do Batismo (cf. 1Cor 10,12).

2-O sentido moral - Os acontecimentos relatados na Escritura podem conduzir-nos a um justo agir. São Paulo diz que eles foram escritos para a nossa instrução (1 Cor 10,11; Hb 3-4,11)

3-O sentido anagógico – Podemos ver realidades e acontecimentos na sua significação eterna, conduzindo-nos (em grego: anogoge) para a nossa Pátria. Assim, a Igreja na terra é sinal da Jerusalém celeste. (cf. Ap 21,1-22, 5) (§117). Um ensinamento medieval resume a significação dos quatro sentidos:
A letra ensina o que aconteceu;
A alegoria, o que deves crer;
A moral, o que deves fazer;
A anagogia, para onde deves caminhar (§118)
Cf. Cat. § 115 a 118

COMO LER A BÍBLIA

COMO LER A BÍBLIA


Para que a leitura da Bíblia nos enriqueça cada vez mais, talvez seja necessário lembrar algumas orientações ou, melhor exigência:
1. A relevância
2. A aproximação do universo do texto
3. Abordagem diacrônica e sincrônica

1. A relevância: a Bíblia é a Palavra de Deus que quer nos falar como a amigos, a respeito de um assunto que nos interessa: a VIDA. Ela não nos bombardeia com revelações de um mundo alheio a nós. Ela vem iluminar aquilo que já conhecemos: a VIDA. Ao ler certos textos às vezes à gente tem a impressão que não têm relação nenhuma com nosso mundo e problemas, não nos dizem nada. Para que o texto se torne “relevante” para a minha vida é preciso que haja um entrosamento, melhor uma fusão, entre os dois mundos.

2. Aproximação do universo do texto: para o leitor comum normalmente é mais fácil puxar o texto para o seu próprio mundo, perceber que a realidade da Bíblia é também a realidade da gente. Para o estudioso biblista, por sua vez, é mais fácil aproximar seu universo ao texto, deslocando-se até o mundo da Bíblia. É importante à integração dos dois movimentos, que são complementares para interpretar e vivenciar a Palavra de Deus. Não basta querer apenas puxar a Bíblia até nós. Devemos também nos deslocar em direção a ela. Só assim se estabelece um diálogo: perguntando ao texto e deixando-o falar; falando e escutando.

3.Abordagem diacrônica e sincrônica: o conhecimento histórico procura compreender o rastro que o mundo do passado deixou no nosso mundo de hoje, porque é essencialmente o mesmo mundo, embora em contínua mutação. Entendendo a história, eu entendo melhor o meu mundo de hoje, porque este tem suas raízes no mundo de ontem. Isso, contudo, não é suficiente, porque o passado não é o presente em suas estruturas e relações, em sua realidade e potencialidade. É como conhecer uma pessoa: conhecer o seu passado é certamente indispensável, mas isso não esgota a realidade que ela é hoje nem a explica totalmente. Podemos aplicar esta comparação ao conhecimento da Bíblia: é importante conhecer a história de sua formação literária e do povo que a produziu. Este processo se chama abordagem diacrônica (dia= através, e chronos= tempo). Mais a finalidade do estudo é compreender o texto em sua redação final, entender seu sentido no contexto e sua função no livro todo, bem como a relação do próprio livro no conjunto da Bíblia.
Esta abordagem se chama sincrônica (syn= com, e chronos= tempo).


sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Significado Místico dos Números


Rábano Mauro (c.784-856) (trad. e notas: Jean Lauand)

Os números, através de alegorias, mostram-nos muitos aspectos do mistério que devemos
venerar.

O número 1
Já o primeiro número, o um, indica a unidade da divindade. Dele se escreveu no Deuteronômio (6,4): "Ouve, ó Israel! O Senhor teu Deus, é o único Senhor". O um expressa também a unidade da Igreja e da fé. Daí que nos Atos dos Apóstolos (4,32) se tenha escrito: "Eram um só coração e uma só alma" . E o número um diz respeito ainda à unidade da fé e à perfeição de uma obra. Por isso se diz no livro do Gênesis (6,16) sobre a arca de Noé: "Farás no cimo da arca uma abertura com a dimensão de um côvado". E até a unidade dos maus é expressa pelo um, como se lê em Mateus (22,11): "E viu ali um homem que não trazia a veste nupcial" .

O número 2
Já o dois diz respeito aos dois testamentos. Daí que em I Reis (6,23) esteja escrito: "E fez dois querubins que tinham dez côvados de altura". Dois também são os mandamentos da caridade: "Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22,40). O dois expressa ainda as duas dignidades: a régia e a sacerdotal, figuradas por aqueles dois peixes que acompanhavam os cinco pães naquela passagem do Evangelho. O dois significa ainda os dois povos: os judeus e os gentios. Daí que em Zacarias (6, 13) se diga: "E haverá paz entre eles dois". Também o dois significa a união da alma e do corpo. Daí que o Senhor diga no Evangelho (Mt 18,19): "Se dois de vós estiverem reunidos sobre a terra...". Sobre isso também fala o profeta Amós (3, 3): "Acaso podem dois andar juntos se não estão em união?" O dois prefigura também a separação entre os eleitos e os condenados, como diz o Senhor no Evangelho (Mt 24, 40): "Estarão dois no campo: um será tomado; o outro, deixado".

O número 3
O número três é próprio do mistério da Santíssima Trindade, tal como se diz na Epístola de João (I Jo 5,7): "Três são os que dão testemunho". O três também representa o mistério da Paixão, Sepultamento e Ressurreição do Senhor . Daí que Oséias (6,2) diga: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e viveremos". O três exprime ainda a fé, a esperança e a caridade, figuradas também por aquelas três cidades do Deuteronômio (cap. 19) nas quais o involuntário homicida encontrava refúgio . O três significa ainda os três tempos: o primeiro, antes da lei; o segundo, sob a Antiga Lei, e o terceiro, sob a graça. É por isso que se lê na parábola evangélica (Lc 13, 7): "Eis que já são três anos que venho buscar fruto da figueira e não o encontro". O três representa também as três formas do agir humano para o bem ou para o mal: pensamentos, palavras e obras. Como diz o Apóstolo (I Cor 3,12): "Se alguém edifica sobre este fundamento: com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas; com madeira, ou com feno, ou com palha" . O três mostra ainda o tríplice modo de os fiéis professarem sua fé: como clérigos, monges ou no casamento. Dessa tríplice profissão na Igreja fala o Senhor por Ezequiel (14,20), dizendo: "Se estes três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem no meio deles não poderiam salvar por sua justiça nem seus filhos nem suas filhas, mas somente a si próprios".

O número 4
O número quatro é próprio dos quatro Evangelhos, como diz Ezequiel (1,4): "E no centro havia a semelhança de quatro animais". O quatro também significa misticamente as quatro virtudes dos santos: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança ; que, pela liberalidade de Deus, revigoram as almas dos santos. Daí que o Evangelho (Mc 8,9) diga: "E os que comeram eram cerca de quatro mil pessoas. Em seguida, Jesus os despediu". Quatro também diz respeito às quatro partes do mundo a partir das quais a Santa Igreja se reunirá. Daí que afirme o profeta (Is 43,5): "Do Oriente conduzirei a tua descendência e do Ocidente eu te reunirei. Direi ao setentrião: ‘Devolve-os!’ e ao meio-dia: ‘Não impeças!’". Do mesmo modo, o quatro pode simbolizar os quatro elementos dos quais é formado o corpo humano, pois principalmente deles depende a força e a subsistência do corpo. Com efeito, no Evangelho está escrito que o paralítico no leito era transportado por quatro.

O número 5
O cinco traz o significado dos cinco livros da lei de Moisés, dos quais diz o Apóstolo (I Cor 14,19): "Quero dizer cinco palavras de sentido"; ou para os cinco sentidos do corpo: visão, audição, paladar, olfato e tato . Daí que esteja escrito no Evangelho (Mt 25,1): "O reino dos céus é semelhante a dez virgens, cinco das quais eram fátuas e cinco prudentes". E também (Mt 25,15): "E deu a um cinco talentos". E diz o Senhor à samaritana (Jo 4,18): "Cinco maridos tiveste".

O número 6
O número seis significa os seis dias nos quais Deus criou as criaturas, como diz o Êxodo (20, 11): "Em seis dias criou Deus o céu e a terra". Significa também as etapas do tempo deste mundo, que comporta seis eras . Daí que Deus, que perfaz todas as suas obras, tenha vindo a este mundo na sexta era, tenha padecido na sexta-feira, no sábado tenha repousado no sepulcro, e no domingo ressuscitado dos mortos.

O número 7
O número sete é um número de múltiplos significados. Pode significar o sétimo dia, no qual, concluída sua obra, Deus repousou. Daí que também as almas dos santos, após as fadigas das boas obras, repousem de todas as suas obras na felicidade eterna do Céu. Pode significar também a septiforme graça do Espírito Santo , do qual diz o Apocalipse (5,6): "Tinha ele sete chifres e sete olhos, sete são os espíritos enviados por Deus por toda a terra". Também sete são as Igrejas de que fala o Apocalipse (cfr. cap. 1), simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Nelas se representa a totalidade dos santos , como ali mesmo se declara: que os sete candelabros são as sete Igrejas e, do mesmo modo, as sete estrelas. Também por sete se designa todo o tempo presente deste mundo, que se desenvolve em ciclos de sete dias. Também os males se representam pelo sete; sete é o número da plenitude do pecado, isto é, o sete representa todos os principais vícios. Daí que o Senhor, no Evangelho (Lc 11,26), diga do espírito imundo: "Então ele vai e toma consigo outros sete piores do que ele e entram e estabelecem-se lá e a última situação do homem é pior do que a anterior". Por isso também Salomão (Prov 26,25) diz: "Não te fies nele, pois há sete abominações (isto é, diabos) na alma dele". Sete é também a plenitude dos flagelos de Deus, como diz o Levítico (26,24): "Castigar-vos-ei sete vezes pelos vossos pecados". E, além disso, sete e oito simbolizam a Antiga Lei e o Evangelho. Por isso diz o Eclesiastes (11,2): "Faze sete partes e também oito". Do mesmo modo o sete e o oito representam o repouso definitivo e a ressurreição.

O número 8
O oito representa o dia da ressurreição do Senhor e também a futura ressurreição de todos os santos . Daí que nas indicações junto ao título do salmo 6 conste: "Para o oitavo".

O número 9
O número nove representa misticamente a Paixão do Senhor: porque o próprio Senhor, na hora nona, tendo dado um forte brado, expirou. Lê-se também que nove são as categorias dos anjos: anjos, arcanjos, tronos, dominações, virtudes, principados, potestades, querubins e serafins. E o nove está presente nas noventa e nove ovelhas que, na parábola evangélica, são deixadas no deserto ou nos montes. Nove pode indicar ainda imperfeição em relação aos mandamentos de Deus, ou a insuficiência dos bens: como está escrito no Deuteronômio a respeito do leito de Og - rei de Basan e tipo do diabo - que media nove côvados de comprimento .

O número 10
O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Sl 32,2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor , foram feitas no tabernáculo do testemunho .

O número 11
O número onze é figura da transgressão da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Daí que também Deus tenha ordenado que se instalassem no tabernáculo da Aliança esse mesmo número de cortinas de peles de cabra para representar os que pecam.

O número 12
O número doze é próprio dos apóstolos, como se evidencia no Evangelho: "Os nomes dos doze apóstolos são..." (Mt 10,2) e o próprio Senhor diz a seus discípulos: "Não vos escolhi eu doze?" (Jo 6,70). O número doze também representa a totalidade dos santos que, eleitos das quatro partes do mundo pela fé na Santíssima Trindade, formam uma só Igreja. Esses eleitos são figurados por aquelas doze pedras preciosas com as quais, no Apocalipse ,e descreve a construção da cidade do grande Rei. São as doze tribos de Israel, que vêem a Deus.

O número 13
Já o número treze diz respeito à plenitude da lei junto com a fé na Santíssima Trindade, como se lê em Ezequiel (40,11): "E mediu a extensão do pórtico: treze côvados" .

O número 14
O número quatorze simboliza misticamente as gerações que antecederam o Senhor, como suficientemente se mostra no início do Evangelho de Mateus: "De Abraão a David, quatorze gerações". O número quatorze também diz respeito ao tempo presente e futuro, tal como se mostra no Levítico (cfr. 12,5), onde se indica que a mulher que der à luz uma menina será impura por duas semanas, isto é, o presente e o futuro.

O número 15
O número quinze representa misticamente o repouso e a ressurreição, a Antiga Lei e o Evangelho, tal como se lê nos Atos dos Apóstolos , que Paulo passou quinze dias com Pedro .

O número 17
O número dezessete representa misticamente a totalidade dos profetas , pois os dez mandamentos da lei operam pela septiforme graça do Espírito Santo.

O número 20
O número vinte diz respeito à perfeição das obras que se realizam pela caridade, pois o decálogo, multiplicado pelos dois mandamentos da caridade, totaliza vinte. Daí que se tenha escrito que a medida da altura dos dois querubins , isto é, a plenitude da ciência, dá esse número.

O número 22
O número vinte e dois representa misticamente os livros divinos, correspondentes às letras dos hebreus.

O número 24
O número vinte e quatro representa os vinte e quatro livros do Antigo Testamento, segundo a tradição dos hebreus. Outros, por este número, entenderam os patriarcas do Antigo e do Novo testamento: "E, sentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos" (Ap 4,4).

O número 25
O número vinte e cinco é um símbolo místico derivado da multiplicação do cinco (dos 5 sentidos) por si mesmo evidente em Ezequiel .

Jean LauandProf. Titular FEUSPjeanlaua@usp.br

2. A alegoria e o pensamento medieval


Em várias línguas há expressões ou frases feitas para indicar que sobre aquilo que é evidente não se precisa gastar uma palavra: goes without saying, va sans dire, selbstverständlich, per se notum etc. Essa observação tão simples (e, também ela, evidente) explica uma das maiores dificuldades de compreensão de um autor antigo: o que era evidente para ele e para os leitores de sua época (e, precisamente por isso, ficou oculto) freqüentemente não é evidente para nós, que sequer suspeitamos dos "óbvios ululantes" escondidos no autor antigo.

Nesse sentido, há no Tratado de Rábano Mauro diversas passagens lacônicas e enigmáticas para o leitor contemporâneo, que não está nem um pouco preocupado em saber o que significa o número 153 (se é que tem algum significado...) quando o Evangelho diz que os apóstolos, na pesca milagrosa após a ressurreição de Cristo, apanharam justamente 153 peixes. S. Agostinho, por exemplo, teólogo e pregador genial, de perene atualidade, tratava do significado dos números em vários sermões, pois considerava o simbolismo numérico um elemento a mais para a compreensão da Revelação:

"Estes 153 são 17. 10 por quê? 7 por quê? 10 por causa da lei, 7 por causa do Espírito. A forma septenária é por causa da perfeição que se celebra nos dons do Espírito Santo. Descansará - diz o santo profeta Isaías - sobre ele, o Espírito Santo (Is 11,23) com seus 7 dons. Já a lei tem 10 mandamentos (...). Se ao 10 ajuntarmos o 7, temos 17. E este é o número em que está toda a multidão dos bem-aventurados. Como se chega, porém, aos 153? Como já vos expliquei outras vezes, já muitos me tomam a dianteira. Mas não posso deixar de vos expor cada ano este ponto. Muitos já o esqueceram, alguns nunca o ouviram. Os que já o ouviram e não o esqueceram tenham paciência para que os outros, ou reavivem a memória, ou recebam o ensino. Quando dois são companheiros no mesmo caminho, e um anda mais depressa e o outro mais devagar, está no poder do mais rápido não deixar o companheiro para trás (...). Conta 17, começando por 1 até 17, de modo que faças a soma de todos os números, e chegarás ao 153. Por que estais à espera que o faça eu? Fazei vós a conta" .

O cristão de hoje sorri ao ver o autor medieval, munido de calçadeira, explicar que o número 120 é soma da progressão aritmética: 1+2+3...+14+15, e que isto representa misticamente aquelas passagens dos Atos dos Apóstolos em que se descreve a vinda do Espírito Santo (cfr. 2,1) quando estava reunida a assembléia de 120 pessoas (cfr. 1,15), "todos num mesmo lugar" (a soma simboliza essa reunião).

Precisamente nessas diferenças é que se capta a mentalidade da época. O homem medieval está seriamente convencido de que não há palavra ociosa na Sagrada Escritura e que tudo o que está revelado "é inspirado por Deus, e útil para ensinar, para repreender, para corrigir e para formar na justiça" (II Tim 3,16). E o próprio apóstolo Paulo afirma o caráter alegórico de algumas passagens bíblicas: "Na lei de Moisés está escrito: ‘Não atarás a boca ao boi que debulha’ (Deut 25,4). Mas, acaso Deus se ocupa dos bois? Não é, na realidade, em atenção a nós que Ele diz isto?" (I Cor 9,9-10). Ou, em outro momento, ao considerar alegórico (cfr. Gál 4,24) o fato de que Abraão teve dois filhos: um da escrava e outro da livre.

O mestre S. Isidoro de Sevilha, pouco anterior a Rábano Mauro, tinha escrito um capítulo das Etimologias (III,4) dedicado à importância dos números: "Não se deve desprezar os números. Pois em muitas passagens da Sagrada Escritura se manifesta o grande mistério que encerram. Não foi em vão que se escreveu o louvor de Deus no livro da Sabedoria (11,20): ‘Dispusestes tudo com medida, número e peso’".

Daí que, ao contrário da Teologia contemporânea, Rábano Mauro dê, por exemplo, extraordinária importância simbólica aos números indicados por Deus para a construção do tabernáculo . Também neste ponto ele segue Agostinho: "Grande é o mistério simbolizado nas ordens dadas para a instalação do tabernáculo. Muitos mistérios estão nelas representadas".

A própria fala de Cristo apresenta alguns simbolismos numéricos próprios das tradições semitas, como o 7, que indica plenitude. Naquela pergunta de Pedro (cfr. Mt 18,22), "quantas vezes devo perdoar a meu irmão? Até 7 vezes?", o 7 é claramente simbólico; como também o "setenta vezes sete" da resposta de Cristo. Tomás de Aquino, bem mais próximo de nossa mentalidade, na Suma Teológica (I,1,10) põe as coisas no devido lugar : após reconhecer a legitimidade dos sentidos tropológico e anagógico, diz: "Não se segue daí nenhuma confusão na Sagrada Escritura, pois todos os sentidos se apóiam sobre um, o literal, que é o único a proporcionar argumentos, como diz Agostinho. Por isso, nada se perde da Escritura, pois não há nada que seja dito em sentido espiritual que não seja dito em sentido literal em alguma passagem".

O Significado Místico dos Números

1. Introdução
Discípulo de Alcuíno, Rábano Mauro (c.784-856) foi abade de Fulda. Pelo seu trabalho de educador e escritor, recebeu o epíteto de Praeceptor Germaniae, o mestre da Germânia. Rábano Mauro não teve a intenção de ser um autor original, mas a de ensinar e formar seus monges.
Uma de suas principais obras é o De universo (em 22 livros) que, como o próprio nome indica, é trabalho amplo e enciclopédico. O subtítulo é: Sobre a natureza das coisas, as propriedades das palavras e o significado místico das realidades.
Nessa obra, Rábano Mauro distingue dois sentidos na Sagrada Escritura: o literal e o figurado. Este divide-se em alegórico (revela verdades sobrenaturais ocultas para os profanos), tropológico (ou moral, move a agir bem) e anagógico (conduz ao fim último e revela a razão de ser da vida).
Rábano Mauro está convencido de que, para decifrar o sentido figurado, é muito útil conhecer a natureza das coisas e as etimologias das palavras. Para ajudar seus leitores a alcançar esse significado místico, presente em tudo, escreveu o De universo, do qual apresento aqui a tradução do Capítulo III do Livro XVIII: De numero (PL CXI, 489-495).

2.PRINCIPAIS GENEROS LITERÁRIOS DA BÍBLIA


Dividem-se assim os diversos gêneros literários encontrados na Bíblia:

a) Narrativo: histórico e didático
b) Legislativo
c) Sapiencial
d) Profético
e) Cânticos

a) narrativo-didático: mito, saga, legenda, conto, fábula, alegoria, parábola

l. mito - conto que se passa com deuses, ou cujos personagens são os deuses. Têm tonalidade solene e são originários de círculos politeístas. A mitologia babilônica, por exemplo, muito influenciou no povo de Israel, que sempre foi monoteista. Isto se vê nos salmos 103, 6-9; 17, 8-16; 88, ll e nos proféticos: Job 26, l2. Nos livros históricos, a influência é mais velada. Mas a árvore da vida do Gênesis já existe num poema de Gilgames (de origem Babilônica): um herói perguntou a um seu antepassado que era deus, onde ficava a árvore da vida. Ele a encontrou no fundo do mar, e levou um ramo para plantar. Tendo sede, foi beber num poço e uma serpente levou o seu ramo. A história do dilúvio tem uma similar na cultura babilônica. É o caso de uma deusa que era amada ao mesmo tempo por um deus e por um homem. Então para matar o homem, o deus mandou o dilúvio.

O importante a se notar nisso tudo é que, ao ser transcrita para o livro sagrado, o autor purifica a lenda, tirando as características politeístas e servindo-se da cultura popular para levar uma mensagem. A árvore da vida, na bíblia, significa que o homem foi criado para não morrer. Na sabedoria babilônica, explicam que o mundo nasceu de uma briga dos deuses. O deus vencido foi partido ao meio. De uma metade fez o deus vencedor o céu; de outra fez a terra. Depois pediu a um deus artista que fizesse o homem com o sangue apodrecido do deus vencido. Por isso, o homem e o mundo são maus do principio. O autor sagrado aproveita-se destes elementos, mas purificando-os e adaptando-os. A tradicional briga dos anjos com Lucifer existe num mito fenício sob a forma de uma briga de deuses. A linguagem mítica da bíblia, o antropomorfismo de Deus... tudo isto tem origem desta inspiração na literatura exterior a Israel.

2. saga - contos que se ligam a lugares, pessoas, costumes, modos de vida dos quais se quer explicar a origem, o valor, o caráter sagrado de qualquer fenômeno que chama a atenção. A saga se chama etiológica quando procura a causa de um fenômeno. Por exemplo, para explicar a existencia de uma vegetação pobre e espinhosa na região sul ocidental do Mar Morto, surgiu a lenda de Sodoma e Gomorra, a chuva de enxofre... A origem de várias estátuas de pedra, formadas pela erosão é explicada pela história da mulher de Ló, que foi transformada em estátua. A narrativa de Caim e Abel é outra, para explicar a origem de uma tribo cujos integrantes tinham um sinal na testa. Explicavam que Deus colocara um sinal em Caim para que ninguém o matasse, e daí este sinal ficou para a descendência. O próprio nome de Caim é inventado, porque a tribo tinha o nome de cainitas e eles deduziram que seu fundador devia chamar-se Caim.
A saga se chama etimológica quando é para explicar um nome. Existe na Palestina uma Ramat Leqi (montanha da queixada). Para explicar a origem deste nome eles inventaram a estória de Sansão, um homem muito forte, que lutara contra muitos inimigos usando uma queixada, e os vencera. Depois ele jogou a queixada naquele monte, que ficou c conhecido como monte da queixada. 0 caso das filhas de Ló (Gen, 19) é uma história difamatória contra os amonitas e moabitas, tradicionais inimigos de Israel. (Amon e Moab significam 'do pai'). Outras sagas da Bíblia: a de Noé embriagado; a briga de Labão com Jacó (Gen 31). A saga se chama heróica quando tem por finalidade engrandecer a vida dos heróis do passado. O valor da saga está na riqueza popular (folclórica) que ela traz. Nem sempre há lição em cada uma. Mas a fartura de detalhes que ela traz mostra a mentalidade do povo. Seu valor é maior para a critica literária.

3. legenda - distingue-se da saga porque se refere a pessoas ou objetos sagrados e querem demonstrar a santidade destes por meio de um fato maravilhoso. Legendas na Bíblia há em Num 16,1 - 17,15: histórias a respeito de Moisés; Dan l, 2, 3, 4: sonhos de Daniel; Os milagres de Elias contra os sacerdotes de Baal; Gen 28,10: Jacó sonha com os anjos (pedra de Betel). É comum nas legendas referir-se à lei ou objeto de culto. A imolação de Isaac, que não deu certo, é para reprimir um costume dos cananeus de imolar crianças, costume proibido pela lei de Moisés. A serpente de bronze (Num 21) se refere a uma serpente de bronze mandada fazer pelo rei Manassés, que foi destruída por Javé. A circuncisão (Gen 17) é explicada assim: Deus apareceu a Abraão para fazer aliança com ele e o pacto era a circuncisão de todos os meninos no oitavo dia. Jos 5, 9 e Ex 12 e 13 falam da origem da Páscoa.

4. parábolas, fábulas, alegorias - parábola é uma história comparativa, de sentido global (ex: II Sam 12, 1-4); fábula é a narrativa que faz os seres inanimados ou os animais falarem (ex: Juízes, 9,7); alegoria é uma história comparativa em que cada elemento tem um significado particular (ex: Is 5, 1-7). Há ainda o apólogo, quando se trata da animação de objetos.

b) narrativo-histórico difere do didático porque pretende contar um fato acontecido realmente. Há três tipos:

1. popular, onde ninguém sabe o fim da lenda e o começo da história. É uma história primitiva, baseada em histórias que corriam na boca do povo, um misto de elementos verídicos e legendários acrescentados. Os livros Josué e Juízes (550 a.C.) estão nesta categoria.

2. epopéia (nacional-religiosa) são histórias retiradas da catequese do povo. Se bem que tenham elementos acrescentados, todavia a mensagem pode ser considerada autêntica. O exemplo mais típico deste gênero é a narração epopéica da passagem do mar vermelho (Ex. 14 ). A fuga de Israel do Egito está ligada a um fato acontecido no tempo de Ramsés II. Ele foi um faraó que empreendeu grandes conquistas, principalmente à procura de escravos para trabalhar. Entre os povos submetidos havia um grupo de judeus. Mais tarde, fraquejou a vigilância, e muitos fugiram, inclusive muitos judeus. Então eles empreenderam a fuga pelo deserto e se aproveitaram de uma região onde havia um braço de mar que secava durante a maré baixa para sair do território egípcio.
Esta narrativa na Bíblia é contada com todos aqueles retoques conhecidos. Mas se analisarmos bem, veremos que na própria Bíblia, há duas citações do mesmo fato, e cada uma conta diferente. São as duas tradições: a javista, mais antiga e mais verdadeira, afirma que o vento soprou durante toda a noite e fez o mar recuar; a sacerdotal, mais recente, modificou a narração para a divisão das águas em duas muralhas por onde todos passaram em seco. Há uma certa contradição nestas duas. Mas o que se deve concluir daí é que os soldados os perseguiram na fuga e eles passaram na maré baixa. Quando os soldados chegaram, a maré já subira e não dava passagem. Enquanto isso, eles se adiantaram ainda mais. Ao transcrever isto na Bíblia, o autor sagrado quer mostrar o fato da presença de Deus em ajuda de seu povo, através dos elementos da natureza.

3. historiográfico - é o trabalho dos escribas encarregados de escrever as crônicas dos anais dos reis. A partir destas crônicas vários livros foram escritos. 0 I Reis, cap. 11, vers.41 cita os anais de Salomão; em 14, 19 afirma que o restante está nos livros das crônicas dos Reis de Israel. São documentos de maior credibilidade, porque são mais históricos. Somente a partir do livro dos Reis, é que são usados documentos escritos na época. Antes era apenas história popular.

c) Legislativo
É representado na Bíblia principalmente no Pentateuco. Tem muito em comum com os outros povos vizinhos e herdou muito deles. Há passagens na Bíblia que são repetições do código de Hamurábi. Os povos orientais são muito ricos neste tipo de literatura. Quanto aos tipos de leis, há três: 1. leis causídicas: pormenorizadas conforme as situações; 2. leis apodíticas: universais; 3. leis rituais.

d) Sapiencial
Originou-se também dos povos vizinhos, principalmente a partir do Exilio. São de origem profana e não religiosa, pois as suas fontes também não eram religiosas. 0 povo oriental é pensador por natureza e a sabedoria é uma virtude muito difundida e apreciada. A sabedoria bíblica não difere muito da sabedoria oriental em geral.

1. HISTÓRIA DAS FORMAS ("FORMGESCHICHTE")
É o padrão da exegese moderna. Em geral todo método exegético moderno aborda os seguintes tópicos:
a) critica textual - se os manuscritos originais desapareceram ou nunca foram encontrados, como se sabe se o texto atual corresponde ao original? Até que ponto é fiel? Em 1008, foi encontrado um manuscrito básico para a edição da melhor bíblia hebraica que se tem hoje. Está no museu de Leningrado. Mas, questiona-se: por quanto tempo o livro foi sendo recopiado, e foi adquirindo erros de escrita? Muitas vezes, vários manuscritos (cópias) de um mesmo livro trazem palavras diferentes. E por que tanta fé neste manuscrito?
O manuscrito mais antigo (até pouco tempo) do AT era composto de fragmentos de um papiro do I ou II século a.C. Os beduínos acharam às margens do Mar Morto vários manuscritos datando do II século a.C. e há alguns, como o livro de Isaías, cujo texto é quase completamente igual ao que temos. A Bíblia original (copiada) data do século II d.C. Os rabinos tinham muito cuidado em transmitir a doutrina, e procuravam unificar os textos. Os textos velhos eram colocados em lugares onde ninguém podia mais usá-los, chamados gezidas. Numa destas gezidas foi encontrado um documento do ano 800, aproximadamente, do qual aquele de 1008 é cópia. A diferença entre ambos é pouquíssima. Ora, se a nossa Bíblia é a tradução daquele manuscrito, considerado autentico, aquela Bíblia é a melhor.
b) 'sitz in leben'- Há livros que antes de serem escritos, foram passados oralmente por várias gerações. Cada manuscrito que serviu para a composição de um texto tem uma história diferente. Por isso eles dividem as perícopas e estudam as tradições e fontes delas. E como o manuscrito chegou a esta fonte? Deste estudo se deduz a 'sitz in leben' (situação na vida) deste manuscrito no gênero literário. A 'sitz in leben' que este gênero literário tem na comunidade; a 'sitz in leben' desta comunidade na história.
c) história da redação - Por que há certas palavras a mais ou a menos nos Evangelhos? Isto varia com a 'sitz in leben' do manuscrito. Quem determina isto é a critica literária. Tudo isto dentro do estudo da história das formas.
2. PRINCIPAIS GENEROS LITERÁRIOS DA BÍBLIA
Dividem-se assim os diversos gêneros literários encontrados na Bíblia:
a) Narrativo: histórico e didático
b) Legislativo
c) Sapiencial
d) Profético
e) Cânticos
a) narrativo-didático: mito, saga, legenda, conto, fábula, alegoria, parábola
l. mito - conto que se passa com deuses, ou cujos personagens são os deuses. Têm tonalidade solene e são originários de círculos politeístas. A mitologia babilônica, por exemplo, muito influenciou no povo de Israel, que sempre foi monoteista. Isto se vê nos salmos 103, 6-9; 17, 8-16; 88, ll e nos proféticos: Job 26, l2. Nos livros históricos, a influência é mais velada. Mas a árvore da vida do Gênesis já existe num poema de Gilgames (de origem Babilônica): um herói perguntou a um seu antepassado que era deus, onde ficava a árvore da vida. Ele a encontrou no fundo do mar, e levou um ramo para plantar. Tendo sede, foi beber num poço e uma serpente levou o seu ramo. A história do dilúvio tem uma similar na cultura babilônica. É o caso de uma deusa que era amada ao mesmo tempo por um deus e por um homem. Então para matar o homem, o deus mandou o dilúvio.
O importante a se notar nisso tudo é que, ao ser transcrita para o livro sagrado, o autor purifica a lenda, tirando as características politeístas e servindo-se da cultura popular para levar uma mensagem. A árvore da vida, na bíblia, significa que o homem foi criado para não morrer. Na sabedoria babilônica, explicam que o mundo nasceu de uma briga dos deuses. O deus vencido foi partido ao meio. De uma metade fez o deus vencedor o céu; de outra fez a terra. Depois pediu a um deus artista que fizesse o homem com o sangue apodrecido do deus vencido. Por isso, o homem e o mundo são maus do principio. O autor sagrado aproveita-se destes elementos, mas purificando-os e adaptando-os. A tradicional briga dos anjos com Lucifer existe num mito fenício sob a forma de uma briga de deuses. A linguagem mítica da bíblia, o antropomorfismo de Deus... tudo isto tem origem desta inspiração na literatura exterior a Israel.
2. saga - contos que se ligam a lugares, pessoas, costumes, modos de vida dos quais se quer explicar a origem, o valor, o caráter sagrado de qualquer fenômeno que chama a atenção. A saga se chama etiológica quando procura a causa de um fenômeno. Por exemplo, para explicar a existencia de uma vegetação pobre e espinhosa na região sul ocidental do Mar Morto, surgiu a lenda de Sodoma e Gomorra, a chuva de enxofre... A origem de várias estátuas de pedra, formadas pela erosão é explicada pela história da mulher de Ló, que foi transformada em estátua. A narrativa de Caim e Abel é outra, para explicar a origem de uma tribo cujos integrantes tinham um sinal na testa. Explicavam que Deus colocara um sinal em Caim para que ninguém o matasse, e daí este sinal ficou para a descendência. O próprio nome de Caim é inventado, porque a tribo tinha o nome de cainitas e eles deduziram que seu fundador devia chamar-se Caim.
A saga se chama etimológica quando é para explicar um nome. Existe na Palestina uma Ramat Leqi (montanha da queixada). Para explicar a origem deste nome eles inventaram a estória de Sansão, um homem muito forte, que lutara contra muitos inimigos usando uma queixada, e os vencera. Depois ele jogou a queixada naquele monte, que ficou c conhecido como monte da queixada. 0 caso das filhas de Ló (Gen, 19) é uma história difamatória contra os amonitas e moabitas, tradicionais inimigos de Israel. (Amon e Moab significam 'do pai'). Outras sagas da Bíblia: a de Noé embriagado; a briga de Labão com Jacó (Gen 31). A saga se chama heróica quando tem por finalidade engrandecer a vida dos heróis do passado. O valor da saga está na riqueza popular (folclórica) que ela traz. Nem sempre há lição em cada uma. Mas a fartura de detalhes que ela traz mostra a mentalidade do povo. Seu valor é maior para a critica literária.
3. legenda - distingue-se da saga porque se refere a pessoas ou objetos sagrados e querem demonstrar a santidade destes por meio de um fato maravilhoso. Legendas na Bíblia há em Num 16,1 - 17,15: histórias a respeito de Moisés; Dan l, 2, 3, 4: sonhos de Daniel; Os milagres de Elias contra os sacerdotes de Baal; Gen 28,10: Jacó sonha com os anjos (pedra de Betel). É comum nas legendas referir-se à lei ou objeto de culto. A imolação de Isaac, que não deu certo, é para reprimir um costume dos cananeus de imolar crianças, costume proibido pela lei de Moisés. A serpente de bronze (Num 21) se refere a uma serpente de bronze mandada fazer pelo rei Manassés, que foi destruída por Javé. A circuncisão (Gen 17) é explicada assim: Deus apareceu a Abraão para fazer aliança com ele e o pacto era a circuncisão de todos os meninos no oitavo dia. Jos 5, 9 e Ex 12 e 13 falam da origem da Páscoa.
4. parábolas, fábulas, alegorias - parábola é uma história comparativa, de sentido global (ex: II Sam 12, 1-4); fábula é a narrativa que faz os seres inanimados ou os animais falarem (ex: Juízes, 9,7); alegoria é uma história comparativa em que cada elemento tem um significado particular (ex: Is 5, 1-7). Há ainda o apólogo, quando se trata da animação de objetos.
b) narrativo-histórico
Difere do didático porque pretende contar um fato acontecido realmente. Há três tipos:
1. popular, onde ninguém sabe o fim da lenda e o começo da história. É uma história primitiva, baseada em histórias que corriam na boca do povo, um misto de elementos verídicos e legendários acrescentados. Os livros Josué e Juízes (550 a.C.) estão nesta categoria.
2. epopéia (nacional-religiosa) são histórias retiradas da catequese do povo. Se bem que tenham elementos acrescentados, todavia a mensagem pode ser considerada autêntica. O exemplo mais típico deste gênero é a narração epopéica da passagem do mar vermelho (Ex. 14 ). A fuga de Israel do Egito está ligada a um fato acontecido no tempo de Ramsés II. Ele foi um faraó que empreendeu grandes conquistas, principalmente à procura de escravos para trabalhar. Entre os povos submetidos havia um grupo de judeus. Mais tarde, fraquejou a vigilância, e muitos fugiram, inclusive muitos judeus. Então eles empreenderam a fuga pelo deserto e se aproveitaram de uma região onde havia um braço de mar que secava durante a maré baixa para sair do território egípcio.
Esta narrativa na Bíblia é contada com todos aqueles retoques conhecidos. Mas se analisarmos bem, veremos que na própria Bíblia, há duas citações do mesmo fato, e cada uma conta diferente. São as duas tradições: a javista, mais antiga e mais verdadeira, afirma que o vento soprou durante toda a noite e fez o mar recuar; a sacerdotal, mais recente, modificou a narração para a divisão das águas em duas muralhas por onde todos passaram em seco. Há uma certa contradição nestas duas. Mas o que se deve concluir daí é que os soldados os perseguiram na fuga e eles passaram na maré baixa. Quando os soldados chegaram, a maré já subira e não dava passagem. Enquanto isso, eles se adiantaram ainda mais. Ao transcrever isto na Bíblia, o autor sagrado quer mostrar o fato da presença de Deus em ajuda de seu povo, através dos elementos da natureza.
3. historiográfico - é o trabalho dos escribas encarregados de escrever as crônicas dos anais dos reis. A partir destas crônicas vários livros foram escritos. 0 I Reis, cap. 11, vers.41 cita os anais de Salomão; em 14, 19 afirma que o restante está nos livros das crônicas dos Reis de Israel. São documentos de maior credibilidade, porque são mais históricos. Somente a partir do livro dos Reis, é que são usados documentos escritos na época. Antes era apenas história popular.
c) Legislativo
É representado na Bíblia principalmente no Pentateuco. Tem muito em comum com os outros povos vizinhos e herdou muito deles. Há passagens na Bíblia que são repetições do código de Hamurábi. Os povos orientais são muito ricos neste tipo de literatura. Quanto aos tipos de leis, há três: 1. leis causídicas: pormenorizadas conforme as situações; 2. leis apodíticas: universais; 3. leis rituais.
d) Sapiencial
Originou-se também dos povos vizinhos, principalmente a partir do Exilio. São de origem profana e não religiosa, pois as suas fontes também não eram religiosas. 0 povo oriental é pensador por natureza e a sabedoria é uma virtude muito difundida e apreciada. A sabedoria bíblica não difere muito da sabedoria oriental em geral.

e) Profético
Também tem origem fora de Israel. Os povos da época tinham seus profetas. Eles moravam nos palácios dos reis e eram os que dialogavam com os deuses. É preciso notar que naquela época profeta não era sinônimo de adivinho, como às vezes se identifica. Eles·manifestavam ao povo a vontade de Deus com sermões, com sinais, exortações e oráculos.

f) Salmos
Também tem influência externa (fora de Israel). Não são todos de Davi. Apareceram conforme as necessidades. Foram compostos sem seqüência ou cronologia. São cantos de louvor, de súplica.

História das Formas e Gêneros Literários

1. HISTÓRIA DAS FORMAS ("FORMGESCHICHTE")

É o padrão da exegese moderna. Em geral todo método exegético moderno aborda os seguintes tópicos:

a) critica textual - se os manuscritos originais desapareceram ou nunca foram encontrados, como se sabe se o texto atual corresponde ao original? Até que ponto é fiel? Em 1008, foi encontrado um manuscrito básico para a edição da melhor bíblia hebraica que se tem hoje. Está no museu de Leningrado. Mas, questiona-se: por quanto tempo o livro foi sendo recopiado, e foi adquirindo erros de escrita? Muitas vezes, vários manuscritos (cópias) de um mesmo livro trazem palavras diferentes. E por que tanta fé neste manuscrito?

O manuscrito mais antigo (até pouco tempo) do AT era composto de fragmentos de um papiro do I ou II século a.C. Os beduínos acharam às margens do Mar Morto vários manuscritos datando do II século a.C. e há alguns, como o livro de Isaías, cujo texto é quase completamente igual ao que temos. A Bíblia original (copiada) data do século II d.C. Os rabinos tinham muito cuidado em transmitir a doutrina, e procuravam unificar os textos. Os textos velhos eram colocados em lugares onde ninguém podia mais usá-los, chamados gezidas. Numa destas gezidas foi encontrado um documento do ano 800, aproximadamente, do qual aquele de 1008 é cópia. A diferença entre ambos é pouquíssima. Ora, se a nossa Bíblia é a tradução daquele manuscrito, considerado autentico, aquela Bíblia é a melhor.

b) 'sitz in leben'-(Sitz in Leben é uma expressão alemã utilizada na exegese de textos bíblicos) Há livros que antes de serem escritos, foram passados oralmente por várias gerações. Cada manuscrito que serviu para a composição de um texto tem uma história diferente. Por isso eles dividem as perícopas e estudam as tradições e fontes delas. E como o manuscrito chegou a esta fonte? Deste estudo se deduz a 'sitz in leben' (situação na vida) deste manuscrito no gênero literário. A 'sitz in leben' que este gênero literário tem na comunidade; a 'sitz in leben' desta comunidade na história. c) história da redação - Por que há certas palavras a mais ou a menos nos Evangelhos? Isto varia com a 'sitz in leben' do manuscrito. Quem determina isto é a critica literária. Tudo isto dentro do estudo da história das formas

quinta-feira, 1 de janeiro de 2009

Lectio Divina, o que é e como fazer


A leitura orante da Bíblia, ou Lectio Divina, é um alimento necessário para a nossa vida espiritual. A partir desta oração, conscientes do plano de Deus e sua vontade, podemos produzir frutos espirituais em nossa vida.

OS PASSOS DA LECTIO DIVINA

Oração Inicial. Vinde, Espírito Santo, enchei os corações dos vossos fiéis e acendei neles o fogo do vosso amor. Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e tudo será criado; e renovareis a face da terra. Deus que instruístes os corações dos vossos fiéis com a luz do Espírito Santo, fazei que apreciemos retamente todas as coisas e gozemos sempre cia sua consolação. Por Cristo Senhor nosso. Amém.

Leitura da Palavra de Deus. Leia, com calma e atenção, o Evangelho do dia. Se for preciso, leia quantas vezes forem necessárias. Então procure identificar as coisas importantes deste trecho da Bíblia: o ambiente, os personagens, os diálogos, as imagens usadas, as ações. Você conhece algum outro trecho que seja parecido com este que você leu? É importante que você identifique tudo isto com calma e atenção, como se estivesse vendo a cena. É um momento para conhecer e reconhecer a Boa Notícia que este trecho traz!

Meditar a Palavra de Deus. É o momento de descobrir os valores as mensagens espirituais da Palavra de Deus: é hora de saborear a Palavra de Deus e não apenas estudá-la. Você, diante de Deus, deve confrontar este trecho com a sua vida. Feche os olhos, é preciso concentrar-se.

Partilhar a Palavra de Deus. Se estiver fazendo a Lectio Divina em grupo, com alguns irmãos, este é o momento de partilhar com os outros aquilo que a Palavra falou ao nosso coração, o que mais tocou, o que Deus espera de nós.

Rezar a Palavra de Deus. Toda boa meditação desemboca naturalmente na oração. E o momento de responder a Deus após havê-lo escutado. Esta oração é um momento muito pessoal que diz respeito apenas à pessoa e Deus. Não se preocupe em preparar palavras, fale o que vai no coração depois da meditação: se for louvor,
louve, se for pedido de perdão, peça perdão; se for necessidade de maior clareza, peça a luz divina; se for cansaço e aridez, peça os dons da fé e da esperança.

Conservar a Palavra na sua vida. Leve a Contemplar a Palavra. Desta etapa a pessoa não é dona. É um momento que pertence a Deus e sua presença, misteriosa sim, mas sempre presença. E um momento onde se permanece em silêncio diante de Deus. Se Ele o conduzir à contemplação, louvado seja Deus! Se Ele lhe der apenas tranquilidade de uns momentos de paz e silêncio, louvado seja Deus! Se para você for um momento de esforço de querer estar na presença de Deus, louvado seja Deus!Palavra de Deus e o fruto desta oração para a sua vida. Não se preocupe se alguma coisa não for bem, um dos frutos da Palavra de Deus é a noção do erro e a conversão pela sua misericórdia. O importante é que a semente da Palavra de Deus produza frutos e que o povo de Deus possa ser alimentado pêlos testemunhos de fé, esperança e amor.

Termine com a oração do Pai Nosso e três Ave-Marias, consciente de querer viver a mensagem do Reino de Deus e fazer a Sua vontade.

VISÃO GLOBAL DA BÍBLIA