sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

O Significado Místico dos Números


Rábano Mauro (c.784-856) (trad. e notas: Jean Lauand)

Os números, através de alegorias, mostram-nos muitos aspectos do mistério que devemos
venerar.

O número 1
Já o primeiro número, o um, indica a unidade da divindade. Dele se escreveu no Deuteronômio (6,4): "Ouve, ó Israel! O Senhor teu Deus, é o único Senhor". O um expressa também a unidade da Igreja e da fé. Daí que nos Atos dos Apóstolos (4,32) se tenha escrito: "Eram um só coração e uma só alma" . E o número um diz respeito ainda à unidade da fé e à perfeição de uma obra. Por isso se diz no livro do Gênesis (6,16) sobre a arca de Noé: "Farás no cimo da arca uma abertura com a dimensão de um côvado". E até a unidade dos maus é expressa pelo um, como se lê em Mateus (22,11): "E viu ali um homem que não trazia a veste nupcial" .

O número 2
Já o dois diz respeito aos dois testamentos. Daí que em I Reis (6,23) esteja escrito: "E fez dois querubins que tinham dez côvados de altura". Dois também são os mandamentos da caridade: "Estes dois mandamentos resumem toda a lei e os profetas" (Mt 22,40). O dois expressa ainda as duas dignidades: a régia e a sacerdotal, figuradas por aqueles dois peixes que acompanhavam os cinco pães naquela passagem do Evangelho. O dois significa ainda os dois povos: os judeus e os gentios. Daí que em Zacarias (6, 13) se diga: "E haverá paz entre eles dois". Também o dois significa a união da alma e do corpo. Daí que o Senhor diga no Evangelho (Mt 18,19): "Se dois de vós estiverem reunidos sobre a terra...". Sobre isso também fala o profeta Amós (3, 3): "Acaso podem dois andar juntos se não estão em união?" O dois prefigura também a separação entre os eleitos e os condenados, como diz o Senhor no Evangelho (Mt 24, 40): "Estarão dois no campo: um será tomado; o outro, deixado".

O número 3
O número três é próprio do mistério da Santíssima Trindade, tal como se diz na Epístola de João (I Jo 5,7): "Três são os que dão testemunho". O três também representa o mistério da Paixão, Sepultamento e Ressurreição do Senhor . Daí que Oséias (6,2) diga: "Dar-nos-á de novo a vida em dois dias; ao terceiro dia ressuscitar-nos-á e viveremos". O três exprime ainda a fé, a esperança e a caridade, figuradas também por aquelas três cidades do Deuteronômio (cap. 19) nas quais o involuntário homicida encontrava refúgio . O três significa ainda os três tempos: o primeiro, antes da lei; o segundo, sob a Antiga Lei, e o terceiro, sob a graça. É por isso que se lê na parábola evangélica (Lc 13, 7): "Eis que já são três anos que venho buscar fruto da figueira e não o encontro". O três representa também as três formas do agir humano para o bem ou para o mal: pensamentos, palavras e obras. Como diz o Apóstolo (I Cor 3,12): "Se alguém edifica sobre este fundamento: com ouro, ou com prata, ou com pedras preciosas; com madeira, ou com feno, ou com palha" . O três mostra ainda o tríplice modo de os fiéis professarem sua fé: como clérigos, monges ou no casamento. Dessa tríplice profissão na Igreja fala o Senhor por Ezequiel (14,20), dizendo: "Se estes três homens, Noé, Daniel e Jó, estivessem no meio deles não poderiam salvar por sua justiça nem seus filhos nem suas filhas, mas somente a si próprios".

O número 4
O número quatro é próprio dos quatro Evangelhos, como diz Ezequiel (1,4): "E no centro havia a semelhança de quatro animais". O quatro também significa misticamente as quatro virtudes dos santos: Prudência, Justiça, Fortaleza e Temperança ; que, pela liberalidade de Deus, revigoram as almas dos santos. Daí que o Evangelho (Mc 8,9) diga: "E os que comeram eram cerca de quatro mil pessoas. Em seguida, Jesus os despediu". Quatro também diz respeito às quatro partes do mundo a partir das quais a Santa Igreja se reunirá. Daí que afirme o profeta (Is 43,5): "Do Oriente conduzirei a tua descendência e do Ocidente eu te reunirei. Direi ao setentrião: ‘Devolve-os!’ e ao meio-dia: ‘Não impeças!’". Do mesmo modo, o quatro pode simbolizar os quatro elementos dos quais é formado o corpo humano, pois principalmente deles depende a força e a subsistência do corpo. Com efeito, no Evangelho está escrito que o paralítico no leito era transportado por quatro.

O número 5
O cinco traz o significado dos cinco livros da lei de Moisés, dos quais diz o Apóstolo (I Cor 14,19): "Quero dizer cinco palavras de sentido"; ou para os cinco sentidos do corpo: visão, audição, paladar, olfato e tato . Daí que esteja escrito no Evangelho (Mt 25,1): "O reino dos céus é semelhante a dez virgens, cinco das quais eram fátuas e cinco prudentes". E também (Mt 25,15): "E deu a um cinco talentos". E diz o Senhor à samaritana (Jo 4,18): "Cinco maridos tiveste".

O número 6
O número seis significa os seis dias nos quais Deus criou as criaturas, como diz o Êxodo (20, 11): "Em seis dias criou Deus o céu e a terra". Significa também as etapas do tempo deste mundo, que comporta seis eras . Daí que Deus, que perfaz todas as suas obras, tenha vindo a este mundo na sexta era, tenha padecido na sexta-feira, no sábado tenha repousado no sepulcro, e no domingo ressuscitado dos mortos.

O número 7
O número sete é um número de múltiplos significados. Pode significar o sétimo dia, no qual, concluída sua obra, Deus repousou. Daí que também as almas dos santos, após as fadigas das boas obras, repousem de todas as suas obras na felicidade eterna do Céu. Pode significar também a septiforme graça do Espírito Santo , do qual diz o Apocalipse (5,6): "Tinha ele sete chifres e sete olhos, sete são os espíritos enviados por Deus por toda a terra". Também sete são as Igrejas de que fala o Apocalipse (cfr. cap. 1), simbolizadas por sete candelabros e por sete estrelas. Nelas se representa a totalidade dos santos , como ali mesmo se declara: que os sete candelabros são as sete Igrejas e, do mesmo modo, as sete estrelas. Também por sete se designa todo o tempo presente deste mundo, que se desenvolve em ciclos de sete dias. Também os males se representam pelo sete; sete é o número da plenitude do pecado, isto é, o sete representa todos os principais vícios. Daí que o Senhor, no Evangelho (Lc 11,26), diga do espírito imundo: "Então ele vai e toma consigo outros sete piores do que ele e entram e estabelecem-se lá e a última situação do homem é pior do que a anterior". Por isso também Salomão (Prov 26,25) diz: "Não te fies nele, pois há sete abominações (isto é, diabos) na alma dele". Sete é também a plenitude dos flagelos de Deus, como diz o Levítico (26,24): "Castigar-vos-ei sete vezes pelos vossos pecados". E, além disso, sete e oito simbolizam a Antiga Lei e o Evangelho. Por isso diz o Eclesiastes (11,2): "Faze sete partes e também oito". Do mesmo modo o sete e o oito representam o repouso definitivo e a ressurreição.

O número 8
O oito representa o dia da ressurreição do Senhor e também a futura ressurreição de todos os santos . Daí que nas indicações junto ao título do salmo 6 conste: "Para o oitavo".

O número 9
O número nove representa misticamente a Paixão do Senhor: porque o próprio Senhor, na hora nona, tendo dado um forte brado, expirou. Lê-se também que nove são as categorias dos anjos: anjos, arcanjos, tronos, dominações, virtudes, principados, potestades, querubins e serafins. E o nove está presente nas noventa e nove ovelhas que, na parábola evangélica, são deixadas no deserto ou nos montes. Nove pode indicar ainda imperfeição em relação aos mandamentos de Deus, ou a insuficiência dos bens: como está escrito no Deuteronômio a respeito do leito de Og - rei de Basan e tipo do diabo - que media nove côvados de comprimento .

O número 10
O dez é o número do Decálogo. Por isso o Salmista (Sl 32,2) diz: "Entoar-Te-ei hinos na harpa de dez cordas". É também o número da perfeição das obras e da plenitude dos santos, o que é simbolizado por aquelas dez cortinas que, por ordem do Senhor , foram feitas no tabernáculo do testemunho .

O número 11
O número onze é figura da transgressão da lei e também dos pecadores, tal como mostra o salmo 11 (cujo número de per si já é símbolo) quando diz: "Salvai-me Senhor, pois desaparecem os homens santos". Daí que também Deus tenha ordenado que se instalassem no tabernáculo da Aliança esse mesmo número de cortinas de peles de cabra para representar os que pecam.

O número 12
O número doze é próprio dos apóstolos, como se evidencia no Evangelho: "Os nomes dos doze apóstolos são..." (Mt 10,2) e o próprio Senhor diz a seus discípulos: "Não vos escolhi eu doze?" (Jo 6,70). O número doze também representa a totalidade dos santos que, eleitos das quatro partes do mundo pela fé na Santíssima Trindade, formam uma só Igreja. Esses eleitos são figurados por aquelas doze pedras preciosas com as quais, no Apocalipse ,e descreve a construção da cidade do grande Rei. São as doze tribos de Israel, que vêem a Deus.

O número 13
Já o número treze diz respeito à plenitude da lei junto com a fé na Santíssima Trindade, como se lê em Ezequiel (40,11): "E mediu a extensão do pórtico: treze côvados" .

O número 14
O número quatorze simboliza misticamente as gerações que antecederam o Senhor, como suficientemente se mostra no início do Evangelho de Mateus: "De Abraão a David, quatorze gerações". O número quatorze também diz respeito ao tempo presente e futuro, tal como se mostra no Levítico (cfr. 12,5), onde se indica que a mulher que der à luz uma menina será impura por duas semanas, isto é, o presente e o futuro.

O número 15
O número quinze representa misticamente o repouso e a ressurreição, a Antiga Lei e o Evangelho, tal como se lê nos Atos dos Apóstolos , que Paulo passou quinze dias com Pedro .

O número 17
O número dezessete representa misticamente a totalidade dos profetas , pois os dez mandamentos da lei operam pela septiforme graça do Espírito Santo.

O número 20
O número vinte diz respeito à perfeição das obras que se realizam pela caridade, pois o decálogo, multiplicado pelos dois mandamentos da caridade, totaliza vinte. Daí que se tenha escrito que a medida da altura dos dois querubins , isto é, a plenitude da ciência, dá esse número.

O número 22
O número vinte e dois representa misticamente os livros divinos, correspondentes às letras dos hebreus.

O número 24
O número vinte e quatro representa os vinte e quatro livros do Antigo Testamento, segundo a tradição dos hebreus. Outros, por este número, entenderam os patriarcas do Antigo e do Novo testamento: "E, sentados sobre os tronos, vinte e quatro anciãos" (Ap 4,4).

O número 25
O número vinte e cinco é um símbolo místico derivado da multiplicação do cinco (dos 5 sentidos) por si mesmo evidente em Ezequiel .

Jean LauandProf. Titular FEUSPjeanlaua@usp.br

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